Nulos para não sentir

Anulei-me totalmente e foi aí que começaste a ver coisas para arranjar (to fix). Foi onde não me valorizo que viste o potencial que tenho para ser arrancado. Foi quando me comecei a calar – por ser diferente e ter bloqueios – que começaste a lançar iscos para me pôr à flor da pele.

Desmistificaste-me rápido, e eu a ti. Isso assusta, não é? Eu sei… O trabalho é longo e o caminho é íngreme até ao centro da nossa caverna que guarda o tesouro da totalidade individual.
Estarmos a projectar um no outro as nossas expectativas, as nossas sombras e os nossos medos, só nos levará ao abismo.

Vivemos no tempo do tudo ou nada. Do preto ou branco. As cores sobressaem e nós só pincelamos cinza e ardência. Queimamos as paisagens da alma com a obrigatoriedade auto-imposta e esquecemo-nos que nascer basta, que acordar basta, que o silêncio basta!

Alimentamos o nosso lado vil porque nos dizem que viver é vil. Não temos escolha e fugimos das cores como quem peca só por olhar. E por isso mesmo, aniquilamos o fluxo do rio por onde fluem as paletas da luz dentro do nosso espectro para cabermos num molde que todos nós tentamos caber à médida que deixamos de ser alegres como os bebés nos primeiros meses de vida. Tiram-nos a alegria e depois vendem-nos a satisfação como isco sedutor que nos orienta subtilmente ao inferno que é crescer nos dias de hoje.

Somos anulados, quase nulos, quer estejamos realizados a nível profissional ou não. Já não se espera pela canção que dá ao pintor o impulso da obra prima, encomendam-se telas, pressiona-se a criatividade, espremem-se os processos de criação, para que sejam rápidos, superficiais e para que a cegueira do agora permaneça.

Já não se sente em silêncio para escutar o fundo do rio descer, já não se mergulha para voltar ao ventre e descobrir o poder interno,… Corre-se rápido até à meta, ou afogamo-nos em breves e fúteis momentos, para que a alma não volte a sentir, para que o mundo continue nesta contração da onda vibratória natural, anulado, espremido pela resistência ao presente, pelo apego ao passado, pela ansiedade do futuro.

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